segunda-feira, 3 de maio de 2010

Em defesa do Construtivismo


A Epistemologia Genética – este é o nome pomposo de uma linha teórica fundada por Piaget, – estabelece um vínculo indissociável entre a validade do conhecimento e a forma de sua construção. Ela lança as bases para explicar e compreender como uma criança aprende. Se há uma contribuição fundamental desta linha para a Pedagogia foi a demonstração pelos teóricos do Construtivismo, – seu desdobramento na Pedagogia proposto por Papert – de que a aprendizagem ocorre por um processo complexo, que envolve uma evolução psicológica, psicomotora e intelectual da criança. Processo longo, em que a construção do conhecimento abstrato, matemático e simbólico, se fundamenta em etapas que têm, em especial, a etapa operacional-concreto antecedendo à etapa de pensamento formal. O pensar vai da realidade para a abstração!

Em recente artigo publicado na revista Veja, Cláudio de Moura Castro minimiza a relevância do Construtivismo:

O construtivismo é uma hipótese teórica atraente e que pode ser útil em sala de aula. Mas nos seus desdobramentos espúrios vira uma cruzada religiosa claramente nefasta ao ensino” – pretende nos ensinar o iminente consultor educacional. Ele nos apresenta quatro erros da prática pedagógica pautada pelo Construtivismo que considera comuns:

Alega como primeiro e terceiro erros, que há no Construtivismo uma pretensão de verdade e uma prática de basear seus argumentos pelo reconhecimentos de Gurus da área. Ora, toda teoria é uma proposta de explicação da realidade e não existe teoria que não tenha a pretensão de verdade, senão não seria uma Teoria. Teoria em grego é contemplação, nos ensina Gilberto Gil naquela linda canção. Um ato de sublimação e de abstração que nos permite compreender estruturas e processos a partir de um método. Não há sentido algum em uma teoria que não pretenda fornecer bases para a compreensão da verdade sobre a realidade! Neste processo, grandes teóricos são referência e são, naturalmente, ouvidos com mais atenção. Isto é legítimo. Portanto, não vejo nenhuma contribuição positiva do articulista nestes dois pontos.

Gostaria de me concentrar nos erros dois e quatro apontados pelo articulista.

Como segundo erro, Cláudio de Moura Castro questiona se “todo aprendizado requer os andaimes mentais descritos” pelo arcabouço teórico do Construtivismo. Menciona exemplos que acredita que não poderiam ser explicados pelo Construtivismo: aprendizado da ortografia, da tabuada e do significado das palavras. Uma visão reducionista, que não faz juz ao desenvolvimento da área. Questiono se houve uma leitura profunda dos artigos e livros seminais do Construtivismo. Talvez seja necessário urgentemente reler a evolução epistemológica em Piaget, o Construtivismo de Papert, pensamento e linguagem em Vigotski, a aprendizagem significativa e os subsunçores de Ausubel, os mapas conceituais em Novak, etc. Aparentemente, o Economista não compreende bem os fundamentos do Construtivismo, como tem sido estudado nos últimos oitenta anos. Uma boa leitura no papel do social na construção da linguagem, como apresentado especialmente por Vigotski, seria de muita valia para compreender o desenvolvimento da linguagem, da apreensão da ortografia como convenção social.

Como quarto e último erro, Castro aponta o fato de que o Construtivismo, como compreendido por alguns, implicaria na “não necessidade de um livro-texto”. Se o aprendiz deve construir seu conhecimento, o livro-texto não atenderia à individualidade do aluno e impediria o processo de descoberta do conhecimento.

Neste ponto, concordamos parcialmente com Castro. Evidentemente, se pretendemos uma abordagem construtivista, os livros-texto terão de ser reescritos, mas não necessariamente abolidos. Tal é o sentido de experiências levadas a cabo desde os anos 60: Escola Nova, PSSC, GREF e diversas outras experiências de busca de aplicação do Construtivismo à prática pedagógica. Não buscar roteiros e compilação de experiências construtivistas em livros-texto é acreditar num “lassay faire” pedagógico insustentável.

Entretanto, nossa crítica ao articulista é que tal desvio não é intrínseco à posição teórica do Construtivismo.

Se olharmos a prática pedagógica nas escolas brasileiras, constataremos que não é pelo excesso de teoria que a educação no Brasil está em crise. É pela sua falta...
Os professores, muitas vezes, não compreendem a evolução emocional e as motivações dos alunos, não compreendem os processos mentais, não ensinam porque não compreendem o processo de ensino-aprendizagem. Além, é claro, da falta de tempo de preparação e problemas financeiros, típicas de um País que em seu discurso apresenta a educação como principal problema a ser solucionado, mas que acredita que isto será feito com o atual salário dos professores do ensino fundamental e médio. Tal abordagem só gera a acomodação do professor e contribui para manter a mediocridade do ensino brasileiro.

Eu entenderia a contribuição de Castro se ele centrasse o artigo neste quarto ponto e não em uma crítica geral ao Construtivismo. Mas eu compreendo o seu dilema. Um economista-administrador precisa de instruções simples para gerenciar um processo. Mas como professores em uma Universidade envolvida na formação de professores, precisamos vasculhar a complexidade para construir a compreensão de processos. Assim, nossos pontos de partida são inteiramente diversos.

A ideia de que a apreensão de conceitos e habilidades é um processo que envolve o sujeito da aprendizagem é um enorme avanço para pedagogia. No vídeo abaixo apresento uma mostra do que compreendo como Construtivismo na prática.

É um vídeo elaborado pelos meus dois enteados, Bruno (6 anos) e Eustáquio (8 anos). Iniciativa espontânea e livre de ambos. Tudo começou assim: trouxe a eles um jogo de equilibrar cinco golfinhos de madeira em diversas posições. Ficaram entusiasmados com o desafio e, inicialmente, seguiram as instruções para montar as estruturas. Rapidamente começaram a inventar novas posições e, ao fim da tarde, nos trouxeram a câmera fotográfica com a filmagem que editei. Eustáquio opera a câmera, sussurra algumas orientações, mas Bruno assume a tarefa de se colocar diante da câmera e apresentar as suas descobertas.

O vídeo é rico em mostrar algumas etapas características da idade: a construção do processo de ordenamento, reconhecimento de formas e de tamanho, maior-médio-menor, desenvolvimento da habilidade espacial e de simetria, construção da habilidade motora, busca de compreensão do outro como parte do mundo, diferenciação, etc.

O que mais me dá esperança é a afirmação final: “Peixe é estranho... Eu quero saber como ele respira debaixo d'água”. Fico curioso para saber se esta atividade seria de matemática, geometria, física ou biologia. Em qual compartimento a escola tradicional enquadraria esta atividade?

A prática da escola tradicional muitas vezes destrói a curiosidade, compartimenta a realidade e exige apenas a reprodução automática de respostas prontas, conhecimento fossilizado. Fico sonhando com uma escola que não destrua a criatividade da juventude de nosso País. Neste sentido, o Construtivismo é o arcabouço teórico que contribui para o avanço da prática pedagógica, desenvolvendo nos alunos habilidades de reflexão e modelagem da realidade.

O problema é que muitos não têm esta sorte em nossas escolas, exatamente pela falta de uma prática Construtivista.

Um comentário:

Waleska Ribeiro disse...

Me surpreendo em ver sua paixão, sensibilidade e responsabilidade com a educação. ..."Se todos fossem iguais a você"... Parabéns por extrair de uma cena do cotidiano infantil tanto conteúdo pedagógico!