domingo, 29 de maio de 2011

O Real e o Marco Alemão

Ludwig Erhard, Ministro da Economia da Alemanha entre 1949-63:
"Bem-estar Para todos"

Míriam é minha irmã. Dito isto, posso emitir minha opinião, e o caro leitor avalia se estou sendo obliterado pela proximidade:  seu livro "Saga Brasileira - a longa luta de um povo por sua moeda" é maravilhoso.

Há momento para relembrar as angústias da época de hiperinflação, chorar com o drama da Ana Moser, se irritar com as mesquinharias do Sarney, com as loucuras do Collor, as incoerências do PT e acertada revisão de conceitos do Palocci nos anos iniciais do governo Lula. Uma viagem no tempo para recuperar a epopéia do combate à inflação dos últimos 25 anos. Estarei perguntando a ela, por que não designar o livro por Odisséia...

Há um capítulo sobre a hiperinflação da Alemanha em 1923. Sinto falta apenas de uma comparação entre a criação do Real e a criação do Deutsch Mark em 1949. Deixe-me resumir.

Alemanha arrazada pela guerra. Algumas cidades com 60% - 80% de prédios destruídos (em especial em Dresden, Hamburgo e todo o Ruhr-gebiet). Quatro anos de anarquia econômica de um País acéfalo. O Marco Alemão é criado no dia 21 de junho de 1948, por decreto marcial das forças aliadas de ocupação.

Erhard, que não participou da elaboração do Plano mas conduziu o seu êxito durante 14 anos como ministro da Economia, resume a situação de 49 nestas palavras:

"Não existia nenhuma produção industrial mais, não existia principalmente nenhum comércio, não existia nenhum mercado de trabalho, ao contrário, existia apenas um aglomerado de indivíduos angustiados a beira da histeria, desanimados e sem responsabilidade, que foram jogados de forma aleatória nesta catástrofe."

Conheci na Alemanha uma linda senhora, Frau Metzger, na faixa dos 70 anos à época, que sorria de forma clara ao me oferecer café nas tardes de domingo em Mannheim: "Deseja mais?". Ficou viúva durante a guerra, criou sua filha sozinha durante os tempos difíceis do pós-guerra. Quando eu, delicadamente me referia a este tempo, ela sorria e me dizia simplesmente: "Foram tempos difíceis, muito difíceis".

A Reforma Monetária da Alemanha é uma das mais estudadas pelos especialistas. Uma característica se assemelha ao Plano Collor: foi um confisco. Todo alemão recebeu 40 DM em julho e mais 20 DM em agosto de 49  para reiniciar a vida. Lembra os Cz$ 50.000,00 da poupança no Brasil de Color. A poupança foi confiscada através de uma taxa de conversão de 10:1. O dinheiro que estava no colchão foi rasgado. Os governos iniciaram o mês de Julho com caixa zero. Entretanto, ao contrário do Brasil, após a reforma, a oferta de bens apareceu, a Alemanha decolou para o seu Milagre Econômico que trouxe a Volkswagen para o Brasil em 1958. Por lá, o boi não estava no pasto, mas escondido no confinamento. Esta foi a solução que produtores encontraram para se proteger das loucuras de um pós-guerra louco. Em um livro de história se lê:

"A reforma monetária foi uma enorme ousadia. Se falhasse significaria uma enorme catástrofe e possivelmente riscaria o Estado Alemão da história" - Michael Freund, Bertelsmann Verlag, Munique, 1979.

Também corremos perigo. Com Collor, estivemos muito próximos do facismo que vitimou o povo alemão. Erramos muito em nossas avaliações. Hoje, relendo a história no livro da Míriam, entendo por que eu não fui atingido pelo Plano Collor: como funcionário público, vivia mês a mês do meu salário. Mas confiscar poupanças e quebrar empresas é quebrar o mercado de trabalho e desenvolver o desemprego. Aprendemos isto da forma mais dolorosa naqueles anos de anarquia econômica.

A semelhança entre Brasil e Alemanha aparece até nos slogans: "Wohlstand für Alle", dizia Erhard; "Brasil para todos", diz Lula mais tarde.

PS.: O texto original de Ludwig Erhard:

“Es gab keine geordnete Produktion mehr, es gab vor allen Dingen keinen Güteraustausch mehr, es gab keine arbeitsteilige Wirtschaft, sondern es gab nur noch einen zusammengewürfelten, seelosen, verantwortungslosen Haufen von Lebensangst geplagter Individuen” , Ludwig Erhard, citado por Michel Freund, “Deutsche Geschicht” (História Alemã), Bertelsmann Verlag, 1979, pág. 1555. 

Em especial o termo "Lebensangst" é difícil de traduzir. Quando a angústia e o medo atingem o temor pela própria vida fala-se em "Lebensangst" - temor pela vida. Não conheço uma palavra tão forte em português.

2 comentários:

Miriam Leitao disse...

Querido Ulisses,

Eu fiz um capítulo sobre a comparação entre Alemanha e Brasil, voce sabe porque me ajudou a me ilustrar sobre o país. Pensei em me aprofundar, mas isso me levaria para longe do tema que era contar o que aconteceu no Brasil. Para falar a verdade, o Sérgio meu marido teve que me tomar os livros de Alemanha da mão de tão interessantes que era. Queria ficar lendo sobre a Alemanha, mas precisava de foco para voltar ao livro. No capítulo Era uma vez na Alemanha, me preocupei em reconstruir o cotidiano das pessoas e por isso o livro mais importante da consulta foi o de Eugenio Xammar, um jornalista catalão. Adorei seu comentário. bjs da irmã Miriam Leitao

Ulisses Leitão disse...

Claro, 49 não poderia ser o foco. Mas, parabéns. Leitura envolvente de um tema insólito: você conseguiu fazer isto de seu livro.