quinta-feira, 28 de julho de 2011

Algumas pessoas são imprescindíveis


Lembro de tudo como se fosse hoje! Eu e Glaura descíamos a rua da Bahia, correndo da polícia militar. Palavras de ordem ecoavam pelos prédios. Era mais uma manifestação contra a ditadura naqueles agitados anos oitenta. Nesta tarde calma e morna de verão, a polícia resolvera bater forte. Passando por nós, os mais exaltados corriam em disparada. Atrás vinha a polícia, com dezenas de cães e cavalos enormes.

A multidão se dispersava pela avenida Afonso Pena. Descemos a avenida em direção à Praça Sete. Estávamos começando a relaxar, quando outra multidão de manifestantes veio descendo pela rua Rio de Janeiro, correndo dos militares. De repende, bombas de gás lacrimogêneo inundaram a praça com aquela fumaça branca, inconfundível. Eu olhava em todas as direções, procurando entender aquela situação louca, quando senti um sobressalto.

Apertei o braço da Glaura, para chamar a sua atenção e apontei para o centro da calçada no quarteirão fechado da rua Rio de Janeiro. Lá no meio da calçada, a uns dez metros de cães ladrando, cavalos imensos e daquela horrenda nuvem de gás, uma mulher, frágil, pequenina, de sessenta e poucos anos estampados em seu olhar sereno, observava, tranquila, a aproximação de toda aquela balbúrdia.

- Olhem, é Dona Helena Greco - gritou uma voz na multidão.

Como que impelidos e impactados por um sentimento de dignidade que exalava daquela visão surreal, corremos, Glaura, eu e mais dois ou três desconhecidos, passamos os braços por sobre os ombros frágeis de dona Helena e a convidamos.

- Dona Helena, não é seguro aqui. Vamos nos afastar!

Caminhando em grupo ao redor de Dona Helena Greco, subimos a avenida Amazonas, nos afastando dos militares. Caminhávamos com orgulho, ao lado daquela mulher mansa que já se tornara um símbolo da luta pelos direitos humanos e pela redemocratização do País. Ao lado dela, jovens de 20 e poucos anos, sentíamos que a nossa causa era uma utopia em construção.

- O povo, unido, jamais será vencido - era a palavra de ordem que se ouvia ao longe!

Este foi meu único encontro com Dona Helena. Mas hoje, ao saber de seu falecimento aos 95 anos, senti aquela dor de despedida, como se fôssemos velhos companheiros de caminhada, como se perdesse parte de mim.

PS.: Glaura hoje é professora no Departamento de Química da UFMG.

4 comentários:

@aristotelesbh disse...

Parece um cena a sua descriçao.Pra um simples "cara pintada" , da inveja a sua luta.

Ulisses Leitão disse...

Caro Aristóteles, cada geração de jovens tem os seus desafios. Os Caras Pintadas também são parte da luta democrática neste País. Um abraço!

Denise Vasconcelos disse...

Que texto lindo sobre Helena Greco. Quero cultivar essa serenidade de quem envelhece, assistindo os acontecimentos e participando deles acrescentando dignidade, humildade, simplicidade, coragem e amor. É provável que eu também receba este carinho dos jovens, no futuro, se agir assim hoje.

Ulisses Leitão disse...

Obrigado pelo comments, Denise.