segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Maria parda

Certidão de vovó Licota. Localizada e gentilmente cedida por Carmen Arnoso

Seu nome era Maria.
Simplesmente, Maria.

Era negra, por isto lhe chamaram parda. "p" minúsculo, adjetivo.
O tempo lhe daria o nome de Liberata, mas só quando
o sonho da liberdade lampejasse no horizonte.

Nasceu em tempos de luta e de incerteza.
Fora escrava a sua mãe  (quem poderia me confirmar se o era?) estaria no iato.
Nascida entre  Lei do Ventre Livre de 1871 e a Abolição da Escravatura em 1888.
Teriam seus pais notícia da luta eclodida no Ceará, com a greve dos jangadeiros do Dragão do Mar, que no ano de seu nascimento, em 1881, se recusaram a transportar escravos? Como saber?
 
Sendo parda e escrava, que destino teria então?
A lei estabelecia: seria livre, mas não muito.
Até aos oito anos, viveria com a mãe escrava,
na senzala de seu senhor. Já, de nascimento, teria uma dívida.
Daí em diante sua vida estava nas mãos do senhor de sua mãe.
Poderia ser livre nesta idade e valer a "indenização" de 600$000
ao senhor da senzala onde crescera.
O que faria nesta tenra idade, sem o abrigo da família escrava? Se auto-escravizar como tantos? O que seriam as tais "associações" autorizadas pelo estado brasileiro para utilizar "dos serviços gratuitos dos menores"?

Uma alternativa, poderia ser requisitada pelo senhor de sua mãe a trabalhar por 13 anos, até a idade de 21 anos, para pagar os 8 anos da infância "feliz" na senzala...

Maria Liberata, registrada Maria, parda, mãe de meu pai.

Filha de Maria Amélia, tem registro de nascimento datado de  22 de janeiro de 1881. Talvez, o registro tenha apenas sido forçado pela Lei do Ventre Livre:

Art. 8. § 5.º - Os párocos serão obrigados a ter livros especiais para o registro do nascimento e óbitos dos filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos à multa de 100$000.


Hoje, 130 anos depois, teria direito a participar de cota nas Universidades.

Tardio consolo!

Não ficou na espera, lutou para que seus filhos estudassem e construissem a dura ascensão social da família. Sua força em educar os filhos, deu ao País
uma obra educacional, 6 colégios e o Prêmio Jabuti de 2012: Míriam Leitão.

PS.:  Claro que gerou muito mais frutos na área cultural! Simone e o Brazilian Classical Series em Miami, Beth Leitão e o Bolsa Escola de BH, dentre outros...  


PS II: Com permissão, seguem os comentários de Míriam Leitão:

" Oi Ulisses querido

Estou chorando evidentemente com seu texto sobre a Vó Licota.
Emocionante conjectura. Ninguém sabe ao certo.
Os escravos recebiam nomes das famílias que os possuiam,
ou nomes dados pelos senhores. Por isso a pesquisa é mais difícil.
Sabe-se apenas isso Maria Liberata era parda.
Aí está o fio da meada.
Temos agora também a data de nascimento, o registro forçado pela lei.
A Lei do Ventre Livre tramitou durante seis anos. O Parlamento não queria aprovar, porque considerava que ela ameaçaria a economia.
Vejam vocês, os não nascidos eram ameaças. Que economia era aquela!
A lei foi inspirada por D.Pedro II e defendida no Congresso pelo Marquês de São Vicente. Os argumentos sobre ela e a lei do sexagenário são de ruborizar de vergonha. O pensador e escritor José de Alencar escreveu uma série de artigos
"Novas cartas de Erasmo" em que acusa o Imperador de ameaçar a economia
por tentar acabar com a "Instituição". A tal instituição era a escravidão.

Beijos,  sua irmã
Miriam"


2 comentários:

wilma disse...

Me emocionei meu irmao. Esta e a nossa nobre origem, somos pardos e somos brancos somos nos mesmos somos netos de Maria Parda.
Amei...amei.

Carmen Arnoso disse...

Primo Ulisses,

Seu texto sobre Maria foi incrível!
Achei também o registro de uma irmã, Laura, de 17 May 1877, caso tenha interesses. Aliás, tenho outras informações que gostaria de acrescentar e algumas perguntas a fazer. Entre em contato: prosolutions@uol.com.br

Abrazos,

Carmen Arnoso