segunda-feira, 24 de agosto de 2015

CARTA ABERTA ao jornalista Carlos Sardenberg


Prezado Sardenberg

em que pese a grande admiração que tenho por você, causou-me estranheza o tom agressivo, irreverente e desrespeitoso de sua opinião (link aqui) sobre a greve dos professores das Universidades Federais. Seja pela imagem do dinheiro exposto, seja pelo tom, seja pelo "Uma desgraça" ao final.

Tendo realizado meu doutorado na Alemanha, em alemão, posso dizer que conheço, muito mais do que o seu jovem estudante de jornalismo, a realidade da Universidade, lá na Europa e aqui no Brasil. Sua menção à realidade européia é bem superficial, mas interessante. Recebi oferta de emprego para trabalhar em uma Universidade alemã, mas, em plena época da hiperinflação, preferi voltar para o Brasil para dar a minha contribuição para o País. E a realidade que eu deixei para trás é a realidade de uma Universidade que dá plenas condições a que um professor pesquisador possa realizar, com qualidade, as suas atividades de ensino e pesquisa. Uma situação bem distante da realidade que temos por aqui.

Assusta-me, em seu comentário, o nível de desinformação que não pode ser aceito em um jornalista com a sua competência e trajetória de trabalho.

Ao contrário do que você afirma, não é verdade que ocorram greves nas Universidade todos os anos. Você está se confundindo com a realidade da Universidade há vinte anos atrás? Nos últimos dez anos só tivemos a greve que ocorreu em 2012, a maior greve jamais realizada nas Universidades Federais, em que quase a totalidade das Universidades parou por mais de quatro meses. Na sua visão, tanto quanto na minha, é um absurdo esse tempo de paralisação. Entretanto, a aplicação mínima dos procedimentos do jornalismo poderiam lhe mostrar as razões desse absurdo. À época, o ministro Aloízio Mercadante se recusou sistematicamente a receber os representantes das Universidades. De forma aleivosa, como tem sido a sistemática do Partido dos Trabalhadores no poder, articulou um sindicato pelego que representava apenas quatro Universidades, para assinar uma proposta salarial que sequer repunha as perdas salariais ocorridas nos cinco anos de sua aplicação. Essa forma draconiana de conversar com a Universidade, do então ministro Mercadante, está na raiz do atual movimento.

No seu texto, você erra novamente ao afirmar que “os esquemas de reposição de aulas são mais do que precários, do tipo três meses em um”. Isso é uma mentira, Sardenberg. Sou membro do Conselho Universitário de minha Universidade e posso afirmar que não se trata com essa leviandade o currículo e a Educação em nossas Universidades Federais. Se o prezado jornalista se der ao trabalho de verificar, a reposição da longa greve de 2012 só foi concluída, em minha Universidade, neste ano. Todo o calendário foi cumprido em sua totalidade. Ficamos sem férias regulares em janeiro e fevereiro desde o ano de 2012. Desconheço qualquer Universidade em que o calendário não tenha sido reposto integralmente. É preciso se inteirar dos fatos antes de comentá-los.

A defasagem salarial dos últimos seis anos aponta para uma perda salarial em torno de 20%. Não é possível ser tão inocente e insensível a ponto de não prever uma reação a essa situação de arrocho salarial (este é o nome correto da política que o Partido dos Trabalhadores tem impingido à Universidade).

Prezado Sardenberg, o atual ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, tem seguido a mesma política de intolerância de seu antecessor e cabe ao jornalista investigar e verificar qual afirmação é verdadeira. A abertura ao diálogo seria a primeira providência, a fim de se evitar o prejuízo aos cofres públicos que tanto lhe atormenta e atormenta também a todos nós. Entretanto, quem causa esse desperdício é o governo, ao não sinalizar com uma política salarial que minimamente atenda à realidade de uma inflação de dois dígitos. Em especial, tendo em vista que o Ministro teima em propor um aumento escalonado com validade para quatro anos. Caro Sardenberg, como prever o que será a evolução da economia nos próximos quatro anos? Como aceitar um acordo de longo prazo no atual cenário de incerteza?

Finalmente, prezado Sardenberg, eu o desafio a provar que a universidade pública brasileira é mais onerosa ao estado do que a universidade europeia. Mas manuseie os dados de forma honesta. Um professor em cargo C4 (C-Vier), em uma universidade pública alemã, possui um salário honesto, uma secretária, pelo menos um técnico de laboratório, quatro a cinco colaboradores doutores, contratados sob sua designação e responsabilidade. Em geral, estes colaboradores desempenham atividades docentes, o que, se não for corretamente contabilizado, pode gerar uma falsa distorsão na comparação da relação número de docente por discente entre a universidade alemã e a brasileira. Possuem ainda uma infraestrutura de espaço físico aproximado de 360 m² de laboratórios por docente, biblioteca, infra-estrutura de comunicação e computação, uma política coerente de financiamento de equipamentos e infra-estrutura de pesquisa, bem como de financiamento de participação em congressos.

Caro Sardenberg, em duas coisas estamos plenamente de acordo.

Primeiramente, concordo com você de que está em curso a destruição das Universidades Federais, como se deu a destruição da escola pública da educação básica nos anos oitenta. O aumento das vagas no período do governo Lula se deu, parcialmente, em função do aumento do número de horas/aula e da precarização do trabalho docente na universidade pública brasileira. A Universidade Aberta do Brasil – UAB, instrumento indispensável à inclusão social pela oferta de curso superior em pequenas cidades, foi inviabilizada pelos cortes sem critério do atual governo.

Em segundo lugar, concordo que a melhoria na Educação no País não é prioridade deste governo, mas, infelizmente, ao que parece, também não o é para uma grande parte da imprensa nacional.

Por favor, não faça parte dos que estão destruindo esta universidade.


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PS: Infelizmente o site do jornalista Carlos Sardenberg não permite o diálogo e o debate. Compreensível. Entretanto, a publicação de críticas honestas e a réplica por parte do jornalista seria um bom começo para promover o debate.

Assim, publico aqui a resposta do Carlos Sardenberg à minha Carta Aberta.

"Temos informações bem diferentes
O senhor não imagina a quantidade de e-mails de colegas seus , ilustres colegas, incluindo ex-reitores, que disseram que a minha coluna é a expressão exata do que ocorre. 
Talvez sua universidade seja uma rara e honrosa exceção . 
O senhor é professor em qual carreira? 
É titular?
Abraços 
Sardenberg " 

Minha crítica a esta carta-resposta é:

1) Não respondeu uma palavra sobre a acusação de estar mentindo sobre a frequência das greves. Talvez o Sardenberg confunda greve de professores das redes estaduais de Minas, da Bahia, do Parané com greve das federais. Ou talvez ele tenha construído seu preconceito na década de 90 e não esteja atualizado. Uma falta grave para um jornalista que deve se inteirar dos fatos diariamente.

2) Alega que a minha Universidade "talvez" seja exceção, mas não menciona os casos específicos, nem mostra os números que o levaram à afirmar que a reposição de aulas não é realizada de forma responsável pelas Universidades. Assim, continuo afirmando que sua afirmação sobre o tema é leviana.

3) Eu o desafiei a provar que a universidade pública brasileira é cara em comparação com universidades européias. Continuo aguardando os dados do jornalista. Enqanto eles não chegam, reafirmo que é mais uma afirmação leviana e sem base factual, expressando apenas o preconceito do jornalista a respeito da questão que ele se dispôs a discutir!




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