Aqui não é a
Irlanda...
O debate nacional a
cerca dos desafios da realidade brasileira atual está cada vez mais
acirrado. O clima de revanche e ódio não para de crescer e isto
compromete a racionalidade do debate. O exemplo mais recente é o
debate sobre a PEC 241.
Por um lado, a
alcunha de PEC da Morte para a PEC 241 evidencia a posição dos que
foram contra o impeachment e não querem reconhecer o enorme
déficit público herdado do governo Dilma e as suas consequências
danosas para a economia e para as políticas sociais. Não querem
enxergar que ao governo Temer resta a imperiosa e dolorosa tarefa de
debelar o crescimento do déficit público.
Por outro lado, a
defesa da PEC 241, na forma em que está no parlamento, tem faltado
com a honestidade intelectual de avaliar as suas consequências a
longo prazo. O clima de ódio continua sendo instigado por estes
quando, por exemplo em artigo recente1,
José Márcio Camargo e André Gamerman falam em “enfrentamento do
mais organizado e privilegiado grupo de interesse do País, a
corporação do funcionalismo público”. Se esquecem que há
diferenças gritantes no funcionalismo, com salários exorbitantes em
áreas como no funcionalismo público do setor legislativo e
judiciário, e salários miseráveis nos setores de educação e
saúde.
Entretanto, o fato
mais marcante de desonestidade intelectual veio do próprio IPEA –
um instituto de pesquisa que deveria ser o lugar do debate –, ao
perseguir a posição da Dra. Fabiola Sulpino Vieira e do M.Sc.
Rodrigo Pucci de Sá e Benevides, defendida na nota técnica 28 do
IPEA2,
em que analisa os impactos do regime fiscal proposto pela PEC 241 no
sistema único de Saúde. A conclusão do estudo é cristalina: no
cenário de um crescimento médio da economia de 2% nos próximos 20
anos, a redução de participação dos custos com saúde seria
estimado em 41%, caindo de 15,5% do PIB atuais para 9,2% em 2036.
Como bem conclui a professora, doutora em Saúde Coletiva,
“fica claro que a PEC 241 impactará negativamente o financiamento
e a garantia do direito à saúde no Brasil. Congelar o gasto em
valores de 2016, por vinte anos, parte do pressuposto equivocado de
que os recursos públicos para a saúde já estão em níveis
adequados para a garantia do acesso aos bens e serviços de saúde, e
que a melhoria dos serviços se resolveria a partir de ganhos de
eficiência na aplicação dos recursos existentes.”
A mesma realidade
pontuada pelos pesquisadores do IPEA pode ser verificada na educação!
Um dos silogismos que se ouve com frequência3
é que os cortes realizados na Irlanda em 2011 seriam um exemplo para
ao Brasil. Para verificar o silogismo, basta reconhecer o óbvio:
Aqui não é a Irlanda! Não há como comparar a complexidade do
Brasil com a Irlanda, de uma nação de 205 milhões de habitantes
com a realidade de um país de 5 milhões. A realidade social e
econômica tem características inteiramente diversas.
Veja, por exemplo, a avaliação da educação. A Irlanda está ranqueada em 15o.
lugar na avaliação do PISA de 2012 na área de Matemática. Com
média de 511,8 pontos, o país está bem acima da pontuação
reconhecida para uma proficiência mínima desejável em matemática,
estabelecida em 420 pontos. Apenas 15 % dos estudantes irlandeses
pontuaram abaixo deste limite, que pode ser interpretado como o
limíte abaixo do qual o estudante pode ser considerado “analfabeto
funcional em matemática”.
A realidade
brasileira é díspare. Com uma pontuação em 398,1 em Matemática
no PISA 2012, o país está na 60a. posição dentre 76
países em recente compilação PISA 2012/TIMSS 2011 realizada pela
OECD4. Nesse estudo, os
esforços e o êxito do Brasil na melhoria da educação são
destaque:
“... and countries like Brazil, Mexico,
Tunisia and Turkey achieved major improvements
from previously low levels of performance – all
at a speed that exceeds, by a large margin, the
improvements described in this report. The example
of Brazil is particularly significant, as the country
was able to substantially raise both participation
and outcomes over the past decade.”
E mais, o relato da OECD destaca o fato de que Brasil e México
conseguiram no período de 2003 a 2012 aumentar a inclusão de jovens
no sistema educacional sem apresentar decréscimo no índice de
performance médio do País. No Brasil, a taxa de
matrícula para estudantes de 15 anos de idade passou de 65% para 78%
e o desempenho médio passou de 356 para 398,1 pontos neste período!
Entretanto, o dado
mais alarmante é o que analisa a quantidade de alunos que não
atingem o índice mínimo de proficiência desejável para
compreender informações matemáticas. No Brasil, o estudo aponta
que 64,3 por cento dos estudantes brasileiros entre 15 e 16 anos
estão abaixo desta proficiência mínima! Ou seja, de cada três
estudantes, dois podem ser considerados analfabetos funcionais em
matemática! Mesmo neste dado terrível, o Brasil progrediu
imensamente no período de 2003 a 2012, pois em 2003 três em cada
quatro estudante estavam abaixo da proficiência mínima.
As contas são
simples! Com uma população de jovens abaixo de 24 anos em 1,65
milhões e 15% com lacuna em sua formação, o número global de
jovens que precisam de investimento para superarem a deficiência em
matemática na Irlanda pode ser estimada em 249 mil jovens. O Brasil
possui 81 milhões de jovens nesta mesma faixa etária, com 64,3 %
apresentando deficiência na formação em matemática, temos um
exército de 51 milhões de jovens a serem formados! O investimento
por aluno no Brasil é 35% do valor investido na Irlanda, US$ 38025
em comparação com US$ 10770 na Irlanda. Mesmo mantendo esta
diferença de valores investidos, a superação do analfabestismo
funcional em Matemática custaria US$ 198 bilhões ao Brasil e apenas
1,99 nilhões à Irlanda. Estes valores representam 8,84% do PIB no
Brasil e apenas 0,8% na Irlanda!
A conclusão é
óbvia. A Irlanda pode congelar o seus gastos, o Brasil não! O passivo social não permite!
Ao estabelecer o
limite de gastos do governo pela inflação do exercício anterior e
desconhecer o aumento de receita gerado pelo crescimento econômico,
a PEC 241 descola a receita do gasto. O Governo não poderá gastar
tudo o que arrecada! Em um primeiro momento, esta é uma atitude
sábia visando estancar o crescimento do déficit orçamentário. Entretanto, o que isto significa a longo prazo? O gráfico abaixo
apresenta a evolução da receita do governo no cenário de uma
inflação média de 4,5% ao ano e um crescimento do PIB de 2% ao ano
nos próximos 20 anos.
Observa-se
claramente um descolamento da receita considerando o crescimento
econômico e o que apenas considera a contribuição da inflação.
Neste cenário, pela PEC 241, o governo deverá gastar
significativamente menos do que arrecada a partir de 3 a 4 anos da
medida. Podemos pensar em diminuir a dívida pública? Claro, mas uma vez
estabelecido o controle da dívida pública, qual o destino desta
“arrecadação extra”? O governo vai abrir uma caderneta de poupança, enquanto a infraestrutura, a educação e a Saúde demandam por investimento público?
Crescimento da receita estimada no cenário de crescimento anual de 2% PIB (curva vermelha) e inflação média anual de 4,5% (curva preta). O distanciamento entre arrecadação total (curva azul) e o ajuste de gastos somente pea inflação, se a PEC 241 for aprovada sem alterações, o governo só poderá gastar 58% do que arrecada em 2036.
Pelo que se depreende dos dados educacionais analisados, o Brasil possui, portanto, um enorme passivo educacional e avançou nos últimos anos. Portanto, ao limitar o aumento do gasto do governo sem considerar o aumento de receita por crescimento econômico, a PEC 241 estará desmontando o cenário positivo de diminuição das desigualdades sociais pelos avanços na educação que foram arduamente conquistados na última década.
Isto pode redundar
em uma imensa tragédia para o País!
1Mitos
e Verdades da PEC 241 – O Globo (2016). Disponível em:
http://oglobo.globo.com/economia/artigo-mitos-verdades-sobre-pec-241-20312217
2Fabiola
Sulpino Vieira e Rodrigo Pucci de Sá e Benevides. IPEA (2016).
Disponível em:
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=28589
3Ver
por exemplo o artigo “O exemplo Irlandês” em
http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=2361.
4OECD
(2015), Universal Basic Skills: What Countries Stand to Gain, OECD
Publishing. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1787/9789264234833-en
5OECD
(2016), Education at a Glance 2016: OECD Indicators, OECD
Publishing, Paris. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.187/eag-2016-en
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