terça-feira, 21 de novembro de 2017

Como destruir a credibilidade do Banco Mundial?


Basta fazer um relatório, encomendado pelo governo Temer, e dizer exatamente o que te pagaram para dizer.

Ponha na equipe principal 17 funcionários do Banco Mundial, três como "especialistas em educação", sendo um Engenheiro Agrônomo, Pedro Olinto, outros dois sem nenhuma formação em Educação, André Loureiro e Vivian de Fátima Amorim. Juntos os três especialistas em Educação do Banco Mundial produziram um único artigo e uma dissertação de mestrado sobre aspectos econômicos da educação. Claramente, não é uma equipe qualificada para discutir e propôr qualquer coisa relevante sobre a Educação no País. E este fato explica a visão simplista e estereotipada de Universidade que permeia o documento.

Mas faça mais. Consulte 20 pessoas ligadas ao governo, todas elas ligadas ao Ministério da Fazenda, nenhuma minimamente especialista em educação.

Qual o resultado? Um relatório pleno de viés, tendencioso, cheio de erros metodológicos graves, e que não analisa e nem compreende a função de uma Universidade para a economia de um País. Por exemplo, qual é o papel da Universidade no desenvolvimento de pesquisa? Pode se comparar uma Universidade Privada que não faz nenhuma pesquisa com uma Universidade Pública que é o único lugar no País onde se desenvolve pesquisa? Pode-se comparar o custo por aluno de uma faculdade particular centrada no curso de direito, cujo custo é somente o salário por hora-aula, com uma Universidade Pública que tem toda a diversidade das diferentes áreas do conhecimento?

Neste sentido, minha pergunta é: qual o significado do gráfico 97, pág. 136, que compara o custo de aluno nos diferentes segmentos?  Visite o Departamento de Física, o Instituto de Química ou de Ciências Biológicas da UFMG e me diga, como comparar o custo de um aluno nesta Universidade Federal, que como tantas outras no País têm cursos de pós-graduação e laboratórios de pesquisa de nível internacional, com o custo de qualquer unidade da Kroton?

Qual o significado de valor agregado na Fig. 98, pág. 137? Como o valor agregado pode ser maior que o score médio final?  Ao mesmo tempo, o que se vê nos dados do ENADE é a enorme superioridade dos egressos nas Universidade e Institutos Federais.

Uma vergonha que um relatório do Banco Mundial tenha um viés tão desconectado da realidade e seja tão cheio de erros.

O maior erro técnico do relatório é tentar usar o conceito de valor agregado para propor, sem nenhuma base teórica, um conceito de eficiência, quando a análise de valor agregado pressupõe dados longitudinais, que não existem no Pais.

Ou seja, um relatório cuja única finalidade é engrossar a tentativa de destruir a Universidade Pública do País.

Quem será penalizado se a proposta de Universidade Pública paga for implementada? A classe média que não tem orçamento familiar para bancar o custo da Universidade, mas não pertence ao 5% mais ricos que poderiam pagar a Universidade.

Desconfio, no mais, que os dados sobre perfil sócio-econômico dos estudantes das Universidades Públicas estejam desatualizados. Com a implantação das políticas afirmativas do Governo Lula e Dilma, o estabelecimento de cotas nas Universidade Públicas Federais, o acesso à Universidade pública aumentou sensivelmente. Tanto a UFLA quanto a UFMG, Universidades que conheço melhor, já constataram que a maioria dos estudantes hoje nestas Universidades vêm das classes menos favorecidas. Não tenho dados, mas acredito que este fenômeno é geral e não é sequer mencionado. Se a preocupação do Banco Mundial é com a equidade, por que a proposta não é de manter as políticas do governo Lula?

Se fosse uma dissertação de mestrado e eu estivesse na banca, reprovaria por falta de qualidade!

O relatório pode ser acessado aqui:
Quem quiser saber mais sobre a metodologia de valor agregado, indico o meu artigo aqui:
http://epaa.asu.edu/ojs/article/view/1915 

PS.: Os dados sobre perfil dos estudantes nas Universidades Federais está realmente desatualizado. Veja o post:

Um dos dados mais desatualizados que o relatório do Banco Mundial utiliza para defender a Universidade paga se refere ao perfil dos estudantes nas Universidades Públicas. Se historicamente a maioria era de ricos, isto não é mais verdade. Com a política de inclusão do PT em 2014 se deu a virada. 50,3% dos estudantes vem de famílias com renda de até 3 salários mínimos. Quase 70% até 5 salários. Difícil enquadrar estes casos como "os mais ricos".
Precisamos enquadrar o Banco Mundial como gerador de fake news...


4 comentários:

Anônimo disse...

O relatório foi encomendado ao Banco Mundial pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, teve prosseguimento durante a gestão do sucessor, Nelson Barbosa. Ele analisa oito áreas do gasto público no Brasil, levando-se em conta o peso no Orçamento, o grau de eficiência e se é socialmente justo.

Ulisses Leitão disse...

Prezado anônimo, esta informação não está no documento. O que está no documento é que foi solicitado pelo governo e que todos os workshops de trabalho e o debate preliminar foi durante a administração Temer e, principalmente, que o pessoal consultado foi da administração Temer. Mas você tem razão em um ponto que gostaria de esclarecer. A presente análise se restringe ao debate das questões que envolvem a área de educação, onde me parece que o relatório carece de qualidade, inclusive por envolver uma equipe sem autoridade na área. Além disto, carece de fundamentação teórica para a metodologia utilizada. Quanto à análise de outras áreas, não me posiciono, pois não são áreas de meu foco de pesquisa.

Anônimo disse...

Professor Ulisses, me ajude entender este relatório. Eles alegam que o principal problema é a qualidade do professor por ser uma profissão sem apelo:

"178. A baixa qualidade dos professores é o principal fator restringindo a qualidade da educação. O magistério permanece uma profissão desprestigiada."

e que os professores ganham bem (onde ?):

"179. O piso salarial dos professores brasileiros está em linha com o que é pago em outros países com renda per capita similar (Figura 92)"

e dão aula para poucos alunos "Isso ocorre apesar de o Brasil ter
uma razão aluno-professor relativamente baixa."

Agora, fica a questão: como uma profissão que paga bem, para dar aulas para poucos alunos, atrai somente profissionais totalmente despreparados?

Semokifazê disse...

Porque como disse, muito bem, Professor Ulisses - "o Banco Mundial entregou o que foi pago para escrever"
Afinal, a qualidade dos professores não é baixa, existe falta estrutural no sistema de ensino público devido a má gestão e corrupção administrativa.
A média de aluno-professor nas redes públicas municipais e estaduais são de 35 alunos por professor, onde isso é "relativamente baixa"?
A média salarial de um professor (depois de descontos na fonte/folha salarial) é 1 salario minino e meio, onde que isso é pagar bem?